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Concursos: em julgamento no STJ o “fatiamento” do projeto vencedor

Resultado pode inviabilizar novos concursos na forma proposta pela UNESCO

O CAU/BR e o IAB manifestam grande preocupação com julgamento agendado para 14/09/16, na Primeira Turma do Supremo Tribunal de Justiça, de processo que inviabilizaria a realização de novos concursos públicos de projetos de arquitetura no país nos moldes recomendados pela UNESCO. Mais precisamente a integralidade do projeto.

 

Trata-se de ação impetrada por arquitetos vencedores de concursos de projeto promovidos pelo Governo do Distrito Federal (GDF), há alguns anos, para a elaboração de estudo preliminar para o Centro de Exposições Agropecuária de Planaltina e do edifício sede da Secretaria de Habitação, Regularização e Desenvolvimento Urbano do Distrito Federal (SEDHAB). Os arquitetos acreditam ter o direito líquido e certo de contratação para o desenvolvimento dos projetos, como previa o edital da competição. O caso foi julgado em segunda instância pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), com decisão contrária aos arquitetos.

 

No processo, a Procuradoria Geral do GDF entendeu que o edital do concurso contrariava a Lei de Licitações, porquanto impedia que o governo contratasse outros profissionais para elaborar as etapas de anteprojeto, projeto executivo e complementares, etapas essas subsequentes ao estudo preliminar objeto do concurso. Disse o Procurador: ” a disposição editalícia, ao vincular a um único licitante a realização, em conjunto, dos estudos preliminares e também dos anteprojetos, projetos executivos e projetos complementares, todos correspondentes a uma mesma obra, pode acarretar, em tese, a inviabilidade de concorrência e a impossibilidade de serem licitados, de maneira fracionada, os projetos seguintes aos estudos complementares.”. E mais: “(…) a regra legal a ser observada é a de divisibilidade dos projetos em licitações distintas” pois “não é de se supor que, sempre e sempre, um dado projeto arquitetônico somente possa ser desenvolvido por seu autor.”

 

O parecer foi aceito por unanimidade pelos desembargadores. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios entendeu que “a disposição editalícia, ao vincular a um único licitante a realização, em conjunto, dos estudos preliminares e as demais etapas do projeto correspondentes à mesma obra, originou uma espécie de “licitação casada”, inviabilizando, em tese, a concorrência e a possibilidade de serem licitados, de forma fracionada, os projetos seguintes aos estudos complementares”. Na apelação, a causa subiu ao STJ.

 

Para o IAB, há um grave mal-entendido sobre o que seja projeto de arquitetura e, igualmente, sobre autoria de projeto. Por isso, solicitou ao ministro relator do STJ a possibilidade de intervir para oferecer o ponto de vista da profissão e da cultura arquitetônica. Para Sérgio Magalhães, presidente do IAB, no entendimento do Tribunal o projeto é fatiado. “A integridade da autoria é desconsiderada. A qualidade e a inovação são tratadas como mercadoria a ser comprada em fatias”.

 

Haroldo Pinheiro, presidente do CAU/BR, informa que o Conselho solicitará admissão como “amicus curiae” no processo, o que lhe permitirá manifestar-se nos autos sobre a questào, de forma semelhante como ocorreu em 2014 com a admissibilidade da autarquia em caso da Universidade Federal do ABC, em Santo André, no ABC paulista. Veja integra de memorial apresentada pelo CAU/BR ao TCU na ocasião, peça fundamental para o sucesso da defesa da integralidade do projeto naquele caso.

 

CULTURA FATIADA – Lei integra do artigo “Cultura fatiada”, publicado em 10/09/16 no jornal “O Globo”, de autoria de Sérgio Magalhães, presidente do IAB, sobre o tema:

 

“Em poucos dias, o Superior Tribunal de Justiça julgará grave questão relativa à cultura e ao espaço urbano — que, por circunstâncias, se apresenta processualisticamente sem o relevo que merece. O tema é concurso de projeto.

 

Todavia, tal tema não é desconhecido.

 

Logo após a Independência, os Estados Unidos trataram da nova capital. George Washington decidiu começar as edificações pela residência oficial, a Casa Branca, e promoveu um concurso de arquitetura em que foram apresentados nove estudos. Detalhe: Thomas Jefferson, futuro presidente, então secretário de Estado, participou do concurso como arquiteto que também era — e perdeu. O júri considerou melhor proposta a do arquiteto James Hoban.

 

Já em 1418, o concurso para a cúpula da Catedral de Santa Maria del Fiore, em Florença, foi vencido por Filippo Brunelleschi, cuja ideia inovadora é considerada marco da Renascença.

 

Mas concurso não é só para obras-primas. Na era vitoriana, a Inglaterra promoveu cerca de 2.500 concursos, média de um por semana, para hospitais, escolas e até para igrejas paroquiais. (O Parlamento é de 1835.) O regulamento de concursos britânico data de 1839.

 

A França tem igual experiência. Concurso é regra da administração pública, com mais de dois mil concursos de projetos de arquitetura e urbanismo ao ano. Compreende-se porque há tanta obra de alta qualidade. Aqui, o concurso não é de hoje. No Rio, a maioria das edificações da então Avenida Central foi objeto de concurso, como o Theatro Municipal, de 1909, de autoria dos arquitetos Passos & Guilbert. Na ata de fundação do Instituto de Arquitetos do Brasil, de 1921, consta a defesa do concurso para qualificar as obras e ampliar o acesso à profissão. Brasília teve seu plano escolhido por concurso, vencido por Lucio Costa.

 

A Unesco, pela XX Conferência Geral, de 1978, da qual o Brasil é signatário, recomenda aos países membros a adoção do concurso de projeto segundo normas e princípios que indica. (Como: júri técnico; contratação do vencedor para desenvolver o projeto; garantia dos direitos de autor.) Após tal recomendação, nossa lei 8.666, de 1993, adotou o concurso como modalidade de licitação para “serviços técnicos profissionais especializados”.

 

Assim, a prefeitura do Rio fez concurso para os 17 projetos Rio-Cidade. E, em 1994, para o programa Favela-Bairro, selecionando 30 equipes. Há pouco, a Estação Antártica do Brasil foi definida por concurso vencido por jovens arquitetos, que elaboraram os projetos arquitetônico e complementares, com excelente proveito reconhecido pela Marinha. Os principais projetos para a Olimpíada foram objeto de concurso, como o Parque Olímpico, o Parque de Deodoro e o Campo de Golfe, além da Vila da Mídia (não construída).

 

Não obstante, agora, tal modalidade de licitação internacionalmente reconhecida (é licitação para contratar o melhor, não é premiação) — recomendada pela Unesco — tem interpretação jurídica peculiar submetida ao STJ. É que, em instância inferior, prevaleceu novel entendimento de que o concurso de projeto se esgota na premiação do estudo preliminar, cabendo à administração pública contratar a outrem, que não o autor, o detalhamento do projeto vencedor, com nova licitação para cada etapa constituinte de um projeto: anteprojeto, projeto executivo e projetos complementares. É o projeto fatiado.

 

Nesse entendimento, a integridade da autoria é desconsiderada. A qualidade e a inovação são tratadas como mercadoria a ser comprada em fatias. De fato, é uma interpretação tabajara, sem consonância com conceitos universais constituintes da cultura e da civilização.

 

(Você pediria a um médico para diagnosticar, a um outro para receitar, e a um terceiro para avaliar a evolução? Quem iria a um advogado para que concebesse a tese, a outro para peticionar, a um terceiro para atuar?)

 

O tema é concurso de projeto. Mas, é a própria noção de projeto que vai a julgamento: projeto como pesquisa, construção de conhecimento, como inovação artística e tecnológica. O Brasil não irá à frente maltratando a cultura.”

 

Matéria relacionada:

 

concursosdeprojeto.org – Projetos premiados do Centro de Exposição Agropecuária de Planaltina

 

Publicado em 10/09/2016, atualizado em 12/09/2106.

 

Fonte: CAU/BR

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